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Mães em ação da semana: Thais Camargo – O silencioso luto do aborto espontâneo

A mãe dessa semana é a Thais Camargo, pedagoga, proprietária da página no face Lorena precisa saber, hoje, mãe da Lorena, de 1 ano e 2 meses, a história dela me chamou a atenção por falar de um tema que dificilmente falamos: o aborto espontâneo. Espero que a história dela possa ajudar outras a mamães que passaram o que ela passou. Aproveitem!!!

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“Você tá grávida, mas não deve vingar!”
Foi um soco no estômago! Eu quase dobrei os joelhos, estava sozinha no pronto-socorro com dores abdominais e devido ao meu histórico, a médica que ia pedir uma tomografia, antes perguntou se eu poderia estar grávida.
Tínhamos decidido parar a pílula 2 meses antes, após uma porção de consultas, e a ideia era engravidar dentro de 1 ano, sem pressa, já que eu tomava pílula há mais de 15 anos e tinha tido outros problemas de saúde.
Houve uma troca de plantão e outro médico me atendeu com um papel nas mãos, e me olhando fixamente com certo tédio enquanto eu tentava, de alguma forma, digerir o que eu tinha acabado de ouvir.
Como assim eu estava grávida? Como assim não vai vingar? Era a primeira vez em toda minha vida que havia a menor possibilidade de eu estar grávida, era a minha primeira gravidez! Eu, que sempre sonhei ser mãe, com o homem que eu amava e fruto de um relacionamento que me fazia feliz e completa.
“Você me ouviu? É normal, viu? Primeira gravidez sempre dá isso! Tá aqui ó: teu beta tá super baixo, não acredito que isso vai pra frente. Daqui uns dois dias você volta, faz outro, e se não dobrar esse número ai, é isso: só esperar o corpo expelir!”
Expelir? E x p e l i r

As dores abdominais da virose sumiram, senti meu estômago na nuca, provavelmente meu coração parou de bater, o oxigênio no pulmão pesava dez toneladas e o meu chão sumiu.
Muito tempo depois eu aprendi o que era violência obstétrica, sem saber que eu já tinha passado por aquilo. Ela não acontece só no parto, pode acontecer muito, muito antes disso. E aquele momento mágico que vivemos quando descobrimos que estamos esperando nosso primeiro filho: me roubaram! E da forma mais cruel possível.
Por mais irritante que seja ler isso, a menos que você já tenha passado pela experiência de se descobrir grávida pela primeira vez, você não faz a menor ideia do que acontece dentro da gente. Eu, mãe. Meu corpo, um casulo. Nós, uma família. Mil planos. Um zilhão de medos. É, sem clichê, um turbilhão.
“Não vai vingar!”
Eu fui pesquisar, né? Porque era a única coisa que eu podia fazer naquele momento e então descobri que pelo menos metade das primeiras concepções não se concretizam, METADE. Isso acontece e cerca de 80% das mulheres nem percebem. A menstruação atrasa uns dias, mas logo depois desce e elas nem sequer imaginam que estiveram grávidas. Eu, provavelmente, não teria descoberto se não tivesse tido uma virose e ido ao pronto-socorro.
Por vezes descobrimos que as horas duram mais do que só 60min. Eu tive que esperar longas 48hs para fazer um novo exame. E infinitas 2hs para receber o resultado. Outro médico. Outro olhar tedioso. Outro papel na mão.
“Não dobrou. Então é assim, agora você só espera. Estava de pouco tempo, né? Nem grávida estava direito, por isso o corpo vai expelir, não precisa curetagem. Daqui 3 meses, você tenta de novo.”
Oi? Só me lembro de olhar para meu marido e sentir tremer o lábio, o corpo, as pernas e a alma!

Eu me passei “mãe” por 48hs. Dois longos dias conversando com o filho que eu já via sorrindo, andando, tomando café na mesa comigo e nossa família; dois dias pedindo que ele ficasse. Falando sobre nossa família. Contando coisas engraçadas e fazendo promessas. Eu já era mãe, do filho que eu sempre sonhei. E ali, naquela sala fria, eu ouvi daquele jeito, que meu filho estava morto. Tem outra forma de dizer?
Como a gente espera, em silêncio, que teu corpo termine de matar seu filho? Como a gente espera, pacientemente, que o corpo sangre um sonho, uma visão, um milagre?
Eu digo: a gente se culpa.
Não há outra forma. A gente se culpa por tudo. Revê os passos dos últimos dias, as últimas semanas, os últimos anos. Logo cedo aprendemos que a gente nasce, cresce, se reproduz e morre. Lá estava eu então, falhando na missão humana. É dramático? É. É exagerado? Não.
“O corpo vai expelir!”
É teu corpo que não segurou. É no teu útero que as coisas estão acontecendo. Ou não estão acontecendo. A culpa. A culpa dói mais do que a gente pode imaginar, a culpa faz a gente pirar. E na piração, a culpa dá as mãos para a moral e a religião e se tornam uma gangue cruel a te socar o estômago: 24hs por dia!
Mais 48 longas horas e um ultrassom estático e silencioso. Um útero preparado e vazio, um ninho sem ovo. Eu, sem ar, sem lágrimas, sem fé.
Eu não conseguia lidar, sabe? Tem gente que consegue, mas eu não sou uma delas. Eu fui atrás de conversar, falar sobre.
“Mas olha, não faz nem uma semana que você ficou sabendo… tá tudo bem. Logo isso acaba e você tá pronta para outra. Não é como se você estivesse mesmo estado grávida, né?”
As pessoas, também não sabem lidar. Não, eu não acho que só com boas intenções já vale. Afinal, a verdade dura e dolorida, é que poucas, pouquíssimas pessoas tem a delicadeza de apenas ouvir. Elas querem consertar, elas querem tirar a dor de você, só que o único jeito de fazer isso é desvalidar a tua dor, minimizá-la, pois acham que o único jeito de fazer você parar de sentir dor é te convencendo de que a dor não existe.
“Mas você tá de quê? Seis semanas? Ah, é tão pouco. Nem um bebê é ainda.”
As pessoas têm critérios para a dor, elas botam tempo, requisitos. Se eu tivesse perdido um bebê de 4 meses, que já chutasse, aí tudo bem eu ficar arrasada. Mas, qual era a divisão? Qual o limite do tempo? “Não era nem um bebê ainda.”
Eu passei pouco mais de uma semana toda em “stand by”. Ir ao pronto-socorro e fazer novos exames era inútil, nós já sabíamos e só nos restava a espera. A e s p e r a.
Ao redor, tudo continua, né? O cotidiano atinge a gente em cheio. A vida segue. Segue? Segue!

Quase sete dias acordando, indo trabalhar, voltando pra casa e meu coração, só um “tum”, esperando. A gente espera a espera das horas e a espera de quem ainda acredita, lá no fundo, em um milagre, um sinal, um outro “tum”.

A gente continua com aquele fio que mantém a gente de pé até que não, até que o sinal que vem é um fio. O fio do fim.
“Ah! Seis semanas? Nem aborto foi.”
Não foi? Então o que foi?
Um mês depois eu me descobri grávida novamente. E muito embora o número do “beta” fosse absurdamente alto, eu só me lembrava daquele outro pequenino. Eu estava feliz. Eu estava? Eu acabara de passar por algo inimaginável para mim e lá estava eu, diante de outra coisa inimaginável e tudo que eu conseguia pensar era: “Eu não consigo. Não vai vingar. Eu vou perder.”
O aborto espontâneo é uma marca. A marca pessoal e dolorosa da incapacidade de gestar.
“Nossa, mas você já tem sua bebê agora e ainda pensa nisso? Acho que você está fazendo drama.”
Eu penso, eu penso sempre. A Lorena sorri pra mim e eu penso como seria o outro bebê.

Eu olho para minha pequena e só consigo pensar nela como um milagre ainda maior, mas nada muda o que passou: eu perdi um filho. E eu ainda sou uma maquininha de porquês. Por que fisicamente, não fui capaz de mantê-lo? Por que, espiritualmente, não fui capaz de mantê-lo? Por que, humanamente, tive que passar por isso?

Me dói. Me marca. Para sempre.
Durante todo o pré-natal da Lorena, me perguntavam assim, corriqueiramente: “Primeira gestação?”

E eu respondia, sempre, um “não” embargado. Automaticamente embargado.

Eu sou a orgulhosa mãe da Lorena. Meu pequeno e risonho milagre. Meu amor maior, aquela que me faz ser melhor a cada dia. Mas, também já fui mãe antes.
Eu quis com o pouco que tinha, celebrar. Eu tinha esse direito, nós tínhamos.

Conversamos, eu e marido, com nosso filho, ele ganhou presentes. Falamos sobre nomes, havia planos, sonhos, fizemos promessas sobre como educaríamos nosso filho, nós o amamos.
Amamos o que aquele positivo significou para nós como casal, naquele momento, amamos, mesmo que por poucos dias, o que nos tornamos enquanto pais. Nós nos tornamos pais a zelar pelo que vinha em mim. Eu o amei. Desde o segundo que eu ouvi que havia vida em mim, eu a amei e lutei por ela, chorei por ela. Eu enlutei.
Por isso quando me perguntam, eu digo: já fui mãe antes! Já fui.

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